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O Canto da Canção

Leonardo Davino de Oliveira

Leonardo Davino de Oliveira. Paraioca. Professor de Literatura Brasileira (UERJ). Coordena o Laboratório de Estudos de Poesia e Vocoperformance. Pesquisador de Poesia e Canção. Colecionador de Sereias.

Nesse espaço iremos pensar o diálogo entre canção e religião, com o objetivo de investigar de que modo cada linguagem se utiliza dos códigos da outra para alcançar seus objetivos de persuasão, comunicação e afeto. 

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A falsa inclusão

De Gregório de Matos, poeta oral do Brasil colônia, que usava o canto responsorial dos rituais católicos para promover a educação religiosa de sua plateia nas ruas da Bahia, a Caetano Veloso, poeta da palavra cantada contemporânea, que em 2023 cantou um hino neopentecostal em show de música secular, a canção popular brasileira tem desenvolvido estreito diálogo com várias matrizes religiosas. ​           Partindo do fato de que não temos nenhum texto autografado por Gregório de Matos (1636-1696) e que tudo o que hoje lemos em sua "obra completa" é um conjunto de poemas atribuídos ao poeta baiano, Gregório usou o canto responsorial católico - tão comum ainda hoje nas ladainhas marianas - como técnica de persuasão, convencimento, empatia e catequese do ouvinte de seus poemas. E o objetivo do poeta era mesmo promover a educação religiosa desse ouvinte, a poesia, portanto, atribuída a Gregório é interessada, engajada do ponto de vista político e religioso, como convinha à arte feita em momento contrarreformista. Ele sabia que fazer o ouvinte “participar”, como no canto litúrgico de pergunta e resposta, era um meio eficaz de controle do imaginário e de disseminação do ethos absolutista. ​           Exemplo disso é o soneto que José Miguel Wisnik transformou na canção “Mortal loucura”, cuja primeira gravação foi feita em parceria com Caetano Veloso, para o espetáculo do grupo mineiro de dança Corpo (Onqotô, 2005). O soneto de Gregório não tem título. Mas não foi à toa que José Miguel Wisnik intitulou a canção de “Mortal loucura”. Wisnik e Caetano trocam de turno enunciativo, criando o ritmo de complementaridade reiterativa - “Na oração que desaterra [diz um]... aterra [responde o outro]” - que se supõe ter marcado a performance do poema à época de Gregório. ​           Observe-se que a resposta do ouvinte - "aterra" - está prevista no verso do enunciador "na oração que desaterra". O poema e a canção seguem esse esquema até o final, quando as vozes se misturam, quando o objetivo de fazer o outro dizer o que deve dizer se cumpre. É em torno dessa prática de performance enquanto persuasão do ouvinte (supostamente, incluído, pertencente) que os versos desdobrados em eco giram numa espiral ascendente que figurativiza as ladainhas católicas, seus tons monocórdicos, e iconizam o sacral que deve ser destino por todo fiel. Só loucos destinados à morte agiriam contrários a isso, é o que diz o poema/canção. ​           Poeta de uma época em que a ideia de autoria ainda não estava configurada, posto que o eu (corpo individual) vivia na movência discursiva da praça pública, no domínio público diluído no “corpo místico” anônimo e coletivizado administrado pela Igreja-Estado, Gregório de Matos faz da poesia um libelo à moral de então: “Quem do mundo a mortal loucura ... cura,/A vontade de Deus sagrada ... agrada”. A estratégia é eficaz, fazendo o ouvinte se sentir incluído por também cantar, também fazer parte da performance, Gregório catequisa, cooptando esse ouvinte, obrigando esse ouvinte a dizer aquilo que a religião quer que se diga. ​           Destaco que essa versão musicada por Wisnik também foi gravada, entre outros, por Izabel Padovani (Mosaico, 2008), Mônica Salmaso (Alma lírica brasileira, 2011), José Miguel Wisnik (Indivisível, 2011), Lívia Nestrovski e Fred Ferreira (Duo, 2012) e Maria Bethânia na trilha sonora da telenovela Velho Chico (2016). Porém, o mesmo poema de Gregório já havia sido musicado por Paulo Weinberger e gravado por Maricenne Costa em 1980, com outro também significativo título de “Fragilidade humana”. Seja que título tenha, o poema cantado cumpre o intento, a saber, apontar o poder de Deus e cobrar a ovelha desgarrada.

De onde ele veio?

Itabaiana Cátia de França
00:00 / 01:27

Canção Itabaiana 
Cátia de França

Itabaiana

A ponte de entrada e saída da cidade,
no interior da Paraíba

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