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O Oráculo

  • Marcela Tagliaferri
  • 15 de ago.
  • 3 min de leitura

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Fig. 1 - Imagem produzida por Maria Júlia Cerqueira dos Santos


Ele veio de um lugar distante, de um passado difícil ainda de decifrar por não querer se deixar revelar. O conheci há tempos, sem precisar ao certo o recorte histórico. Só sei identificar uma afinidade imensa capaz de nos conectar apesar da distância temporal e espacial. Ele espelha tanto o melhor quanto o pior que existe dentro de mim. Afinal, o ideal de pureza não existe nas terras de cá. Apenas imperfeições, incertezas e a eterna dor da impermanência. A vida é feita por símbolos carregados de significados e sempre quis encontrar o meu lugar neste mundo imenso. Por muito tempo, me senti perdida sem imaginar ser espreitada na encruzilhada. Por ele. Que me observa não com julgamento, não com a mão de açoite para me punir, não com a firmeza dos que o veem como o Coisa-Ruim, o Capiroto. Ele me decifra feito um oráculo que abre as lâminas sagradas sobre a mesa e sabe como me ler. Afinal, tudo passa pelo ato de ler. Tenho muito amor pelo conhecimento, pela leitura, por querer me aprofundar nos saberes. Ele sorri e me pergunta, quer ouvir a minha história, minha moça? A minha curiosidade é infinita, o meu olhar acende as luzes de quem é feita através da escrita, do desejo de narrar e, principalmente, mergulhar na alma humana para tentar decifrar ou acessar lugares desconhecidos, não revelados. Os personagens são parceiros de vida. Ele sabe do meu grande amor pela literatura, pela linguagem que constrói signos e se expressa através das palavras escritas. Por quais carregam símbolos. Então, aquele homem é capaz de falar coisas numa linguagem da qual eu compartilho. Ele me compreende. Ele me escuta. Ele sabe onde reside os meus descaminhos e dores. Percebo existir para além do tempo ordinário, datado e contextualizado no presente. No entanto, ele se faz presença. Os mistérios desconhecidos por muitos e dos quais ainda me perco. As exigências corporais existem, tenho fome, tenho sede, preciso fazer exercício físico, trabalhar. A vida é exigente e nos coloca contra a parede todos os dias. E a resposta vem como imposição dos padrões a serem vestidos feito roupas. Ele novamente sorri e me pergunta, quer conhecer a minha história? Novamente esqueço de mim. E desejo escutar. Posso escrever a sua história, claro, por isso, quero te contar, ele responde.

No entanto, como todo oráculo as respostas não são dadas de forma objetiva. Elas vêm por metáforas. Para tanto, a reflexão se faz presente - pensar e digerir. A leitura de um oráculo exige silêncio. Mais do que responder e dar direção, ele trabalha pela percepção de que existe um enigma e a pergunta vem com o desejo de ser decifrada. Foi quando percebi que o oráculo se abre feito um espelho, onde os enigmas se desdobram entre pergunta e resposta de um lado para o outro. Num jogo entre duplos. A ideia de quem não quer olhar para dentro e perceber a escuridão capaz de tornar a nossa vida um inferno. Segundo James Hollis em Os pantanais da alma: “Um antigo ditado diz que a religião é para aqueles que têm medo de ir para o inferno; a espiritualidade, para aqueles que já estiveram lá.” (1998, p. 10). É a dor que torna a linguagem literária possível e quando ele me perguntou, percebi residir ali um lugar a ser explorado. E a nossa relação começou a ser desenhada por trocas de conhecimento. Quando ele me abriu para o conhecimento da alquimia. A vida girou e a minha prática autoral ganhou o meu significado. É a justiça de Xangô sendo um eterno movimento de equilíbrio entre luz e sombra para tornar a pedreira de quem eu sou firme, e me fazer caminhar no meu passo, no ritmo do meu som interno. Mas a pergunta ainda não foi respondida por exigir mais leituras através das quais, quem sabe, consigo decifrar o mistério – Exu Marabô. Somente o debruçar sobre as mitologias mundiais pode me ajudar. É a esfinge abrindo um mundo de possibilidades. E permiti me abrir para desbravar esta nova realidade atravessada na minha escrita.

 

 
 
 

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