Abro esta narrativa literária para convidar os leitores que desejam cocriar novas realidades junto comigo. Nenhum autor escreve sozinho. Somos herdeiros dos que vieram e formaram suas literaturas. Somos herdeiros e carregamos a presença dos nossos ancestrais, segundo os passos dos africanos de origem banto, do Congo e de Angola. Quem morre se transforma em ancestral, aprendi no livro que escrevi sobre a história de Pai Benedito, ainda não editado. E os livros só ganham presença através dos leitores. Que tomam para si as narrativas, as interpretam e se tornam também criadores. Afinal, como nos fala Marcel Proust em O tempo redescoberto, na obra Em busca do tempo perdido: “Todo leitor é leitor de si mesmo. Na realidade, todo leitor é, quando lê, o leitor de si mesmo. A obra não passa de uma espécie de instrumento óptico oferecido ao leitor a fim de lhe ser possível discernir o que, sem ela, não teria certamente visto em si mesmo.” (2006, p. 184).
A minha escrita atual passa necessariamente pelo estudo da alquimia, a partir da qual narro histórias de entidades da umbanda. Então, atravesso os tempos e espaços geográficos e entro nas encruzilhadas, me deixo ser levada pelo canto das sereias, as quais narram estas histórias. A escrita literária é um trabalho de linguagem a partir do ato de contar histórias, quando mergulho no cenário histórico, na cultura, na psicologia dos personagens, nas questões filosóficas e espirituais.
Eu tenho sede de metáforas, de ficção, da imaginação num mundo chapado, onde tudo é dado em formas realistas, inúmeras vezes em excesso. Para cegar pelo excesso de exposição, criando formas para ocupar os vazios. Não há tempo para reflexão. Quero viajar no tempo, atravessar realidades e misturá-las através da diversidade de pensamentos, encruzilhadas e dar voz para quem não tem. Para mim, a umbanda é uma filosofia de vida, onde os pontos de força da natureza vibram as energias dos orixás, quando me encontro com a minha divindade interna. Então, me deixo levar pela escuta dos caboclos de pena, os povos originários que sofreram genocídio por parte do homem branco; os pretos velhos, os negros escravizados, traficados da África, os boiadeiros, viajantes com as suas mulas, que desbravaram o país aumentando suas fronteiras e fazendo a comunicação entre aldeias, vilas e as capitais das províncias; exus e pombagiras, os nossos guardiões com a vibração do erotismo, da abertura do caminho pela força do ferro de Ogum carregando a sua espada. E assim a escrita acontece, a linguagem existe na arte e recrio uma literatura em que não há limites para o imaginário e muito menos para a imaginação. Se é verdade? Pouco importa. Apenas te convido a participar da gira onde quem roda são as palavras junto com os leitores. Laroiyê, Exu é mojubá!
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